Goiás lança programa que monetiza bens ambientais intangíveis e possibilita sua comercialização no mercado de capitais ativos
Após nove meses de estudos, o Estado de Goiás, por meio das secretarias da Fazenda (Sefaz) e de Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Infraestrutura, Cidades e Assuntos Metropolitanos (Secima), lançou recentemente o Programa Tesouro Verde. Trata-se de um instrumento econômico que monetiza os bens ambientais intangíveis (florestas nativas preservadas – de natureza privada ou pública), o que possibilita sua comercialização no mercado de capitais ativos. Através de uma plataforma digital, produtores rurais e investidores terão a oportunidade de negociar ativos do Estado, do Brasil e do mundo.
A reportagem conversou com o criador e coordenador desse arrojado e pioneiro projeto, Moacyr Salomão, gestor governamental de Finanças, gerente da Receita Extratributária do Tesouro Estadual, e também com Deraldo Gomes Balduíno Neto, gestor fazendário, que participa do trabalho, ambos ligados à Secretaria da Fazenda do Estado de Goiás.
Segundo Moacyr Salomão, o Tesouro Verde é uma política pública, sem dinheiro público, instituída pela Secretaria da Fazenda, cujo andamento não dependerá de verba pública. O Programa foi regulamentado com a Lei no 19.763, publicada no último dia 19 de julho no Diário Oficial do Estado. “É uma ferramenta inovadora que buscará maior envolvimento da iniciativa privada no trabalho de proteção ao meio ambiente, com a conscientização da sociedade de que os governos, sozinhos, não são capazes de desenvolver essa grande tarefa”, explica Salomão.
A criação do instrumento de crédito, gerado a partir da conservação e ampliação das florestas nativas, tem natureza de bem intangível, incorpóreo e transacionável, constituindo uma atividade rural, classificada no Código Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) – 0220-9/06, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). De acordo com o gestor governamental de Finanças, com o Projeto Tesouro Verde o Estado de Goiás está reconhecendo essa metodologia científica como uma moeda transacionável, isto é, monetizando os serviços prestados pelas florestas nativas ao planeta.
Desse modo, os bens proporcionados pela conservação de floresta nativa se convertem em recursos financeiros que financiam o desenvolvimento local. Os produtores rurais que tiverem interesse em comercializar os serviços prestados por suas florestas nativas precisam obter a certificação com homologação nos padrões internacionais. Os critérios para habilitação devem estar em consonância com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), aliando crescimento econômico, inclusão social, preservação do meio ambiente e qualidade de vida.
Primeiros passos
A plataforma Tesouro Verde, lançada pela Secretaria da Fazenda, é disponibilizada nos sites da própria Sefaz, da Secima e de outros órgãos da Administração direta e indireta, assim como nos sites de governos e municípios que implementarem a lei. Para participar os produtores rurais precisam aderir ao programa, unirem “Núcleos de Desenvolvimento” através de uma associação legitimada em audiência pública – mínimo de 20 participantes – com uma cobertura de florestas nativas de pelo menos 15 mil hectares em um raio de 200 quilômetros.
Esses núcleos terão como compromisso preservar 100% do patrimônio ambiental (floresta nativa + estoque de carbono + biodiversidade + recursos hídricos + uso do solo + produção agrícola), um critério da Organização das Nações Unidas (ONU) que tem como premissa o crescimento econômico com sustentabilidade.
Segundo Moacyr Salomão, este projeto está invertendo um conceito arraigado junto ao “pensamento ambiental atual.” Deixa-se de falar em carbono para tratar de florestas nativas. “Por quê? A razão é que o carbono significa o futuro e a floresta nativa é ‘o agora’. Quanto ao setor financeiro, pode-se dizer que existe um mercado balcão, mercado à vista já existente, e o de carbono. Este teria que replantar agora para colher os frutos, a cada cinco anos, até três décadas, quando a floresta estará formada. Esse tipo de metodologia vendida pelo mundo não deixa de ser uma boa atitude, agora,quem desmatou o planeta foram os países desenvolvidos que hoje dizem da necessidade de reflorestar,” explica.
Atualmente, Goiás e outros Estados com projetos similares afirmam que a floresta nativa tem valor e quem cuida dela tem que receber por isso. O papel do governo nesse ponto – já que não interfere nas negociações – é no sentido de estar reconhecendo uma nova metodologia e criando produtos dentro do Estado para receber como moeda. “Está sendo criando um selo de sustentabilidade – selo verde – créditos adquiridos na plataforma Tesouro Verde os quais poderão ser aceitos, de acordo com cada Estado, como compensação e mitigação ambiental e social. Uma das conjunturas em que o Estado está avançando rapidamente, com relação à Secretaria do Meio Ambiente (Secima), é a questão da agilidade no licenciamento ambiental. Goiás vai inovar ao ter licenciamento, em até dez dias, destravando a agenda ambiental para que o empresário possa investir, desde que seja verde ou pretenda se tornar verde fazendo sua compensação ambiental”, pontuou o técnico.
Outra vantagem em participar do programa Tesouro Verde e obter o selo é que o empresário que investe no meio ambiente está sendo colocado no perfil do programa Produzir. Aquele investidor que não alcançar o total da pontuação para galgar benefícios no Estado, ao adquirir esse selo de sustentabilidade irá efetivamente atingir o índice total e receber 100% de benefício fiscal.
“O que Goiás pretende é promover o desenvolvimento econômico, e há outro fato relevante que dispõe às empresas ou pessoas físicas que queiram preservar o meio ambiente fazer essa compensação ao investir em florestas nativas – patrimônio brasileiro – e assim poderem obter uma espécie de redenção com a nova contabilidade que, entre outros ativos determina aos Estados incluírem em seus balanços os ativos naturais, históricos e culturais, lembrando que naturais são as florestas e parques estaduais”, ressalta.
Para o gestor governamental, com essa metodologia científica, aprovada com duas opiniões (reconhecimento e homologação), é possível registrar como sendo nossos ativos imobilizados e lançar em contrapartida no Patrimônio Líquido do Estado. “Assim,ficou tangível uma floresta (tornou-se palpável), com isso o Estado pode vender o intangível, serviços prestados por ela ao planeta”, explicou.
Biomas e seus valores
Cada bioma tem seu valor ambiental que é avaliado a partir dos recursos naturais existentes, em carbono equivalente, bem como a proteção do bioma e serviços de conservação fornecidos pelos proprietários ou ocupantes de unidades rurais. Em média, o Cerrado tem, por hectare, entre 100 a duzentas unidades de crédito de floresta a um valor de mercado atual em torno de R$77,60. Na Região Amazônica, por exemplo, varia de 700 a 900 unidades por hectare. Enfim, os vários biomas podem ser quantificados como florestas, cerrados, campos, savanas, caatingas, entre outros, desde que sejam nativos. Se o produtor for reflorestar o bioma com plantas nativas poderá ampliar seus créditos. O objetivo do projeto Tesouro Verde é alterar o mínimo no meio ambiente nativo do planeta.
Quais são os benefícios para o produtor?
Os recursos financeiros oriundos da venda do Crédito Floresta possibilitarão um recurso extra aos produtores como Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) – manutenção da biodiversidade e produção de água. A participação no programa também promove o desenvolvimento e fortalecimento da propriedade rural por meio de investimentos em tecnologia e qualificação do capital humano, melhorando a produtividade e competitividade resultando em maior capacidade de inserção no mercado.
Para Moacyr, “com o recurso extra é possível proporcionar desenvolvimento do produto, a organização do processo de produção, distribuição e logística” segundo as necessidades dos mercados consumidores, com isso incrementar o emprego e a melhoria das condições de vida das famílias e comunidades envolvidas. Como cada núcleo terá um projeto, de acordo com as características do local, as propriedades rurais poderão viabilizar a atividades econômicas em sintonia com a vocação de cada grupo.
O que o investidor ganha?
O interessado pode adquirir o título de duas maneiras, ou seja, direto um certificado no intuito de ajudar o meio ambiente. A pessoa que é “verde” consegue até financiamentos mais baratos em bancos quando faz sua compensação ambiental. Se ela comprar na forma de doação, tem descontos dentro da base legal, que alcançam o Imposto de Renda (IR).
Para cada R$ 1,00 investido, 1/6 desse dinheiro vai para o Fundo de Estabilização que irá garantir a proteção do investimento, segundo Moacyr. A empresa investidora ganha também em marketing porque o selo verde agrega valor aos produtos e, consequentemente, valoriza as empresas que adotam políticas de preservação. É uma maneira democrática de ajudar setores que não têm políticas nesse segmento a se tornar também “verdes”.
O Brasil tem hoje uma série de projetos como Bolsa Água, Bolsa Nascente, Bolsa Floresta, dentre outros, visando incentivar a preservação. “Tudo vale, e Goiás está inovando e propondo trabalho. O produtor protege um patrimônio seu que irá favorecer o planeta e é remunerado por isso, descentralizando ainda o trabalho ou uma carga a mais sobre o poder público”, explica.
Essa plataforma sempre passa por algumas atualizações necessárias mas está à disposição de Goiás, do Brasil e do mundo. A plataforma possui padrão internacional sendo reconhecida pela (CVM), a mesma empresa que os bancos europeus utilizam por ter alta segurança, rastreabilidade e credibilidade. Em qualquer lugar do planeta o interessado poderá acessar e adquirir seus títulos. É uma inovação em se tratando do resto do mundo. Vários Estados brasileiros estão procurando Goiás no sentido de aderir ao projeto.
O que o governo ganha?
O Estado é beneficiado por meio de duas fontes, sendo a primeira delas por intermédio das florestas onde parte dessa receita (1/3) segue diretamente para a Secima, – que investirá no meio ambiente efetivamente com critérios reconhecidos pela ONU – como inclusão social, (obrigação idêntica para as associações de produtores que optarem pelo projeto) boa utilização dos recursos naturais, crescimento econômico dentre outros.
Outra parte direciona a projetos sociais e receita estadual pelo seu patrimônio verde. O Estado ganha ainda na circulação de riquezas. É importante frisar que essa ferramenta acessa ao mercado de capitais onde o empresário é remunerado enquanto produtor rural que, na atualidade, teoricamente, só tem despesas com suas reservas florestais.
Seguro e investimento
O produtor recebe por safra, anualmente, os valores proporcionais ao crédito floresta gerados. Caso haja algum acidente, como incêndio ou mesmo um desmatamento, o proprietário perderá o patrimônio ambiental, consequentemente, não será mais remunerado. “Isso então é um estímulo ao produtor para que ele zele pela floresta nativa”, explica.
E quem comprou o crédito floresta não perde uma vez que, na aquisição, a floresta existia, assim mantêm-se, naquele ano, a compensação. Se o crédito for comprado como reserva de valor, garante seu mercado, isso não muda.
Moacyr explica que o mercado de capitais, ao financiar projetos produtivos, em Goiás e outros Estados, promoverá ganhos nas mais diversas frentes tais como a promoção de emprego, renda e melhoria na qualidade de vida.
Do ponto de vista financeiro, a cada R$ 1,00 investido, tem-se o efeito multiplicador da moeda que alcança, em média, quatro vezes o valor aplicado. Com isso, o Estado tem um retorno agregado de 8% (oito por cento) nos tributos, e o melhor de tudo, o produtor passa a ser remunerado diretamente pelo mercado, seja no compulsório ou pelo de capital. “E fechando o ciclo virtuoso, a natureza agradece, o planeta ganha em preservação e o capital tem sua redenção”, ressalta.
Desenvolvimento econômico
O gestor fazendário, Deraldo Gomes Balduíno afirma que essa iniciativa do governo goiano traduz uma política de desenvolvimento econômico centrada na preservação do meio ambiente. É de conhecimento público que, historicamente, a preservação ambiental sempre foi colocada como incumbência do poder público. Isso envolve recursos financeiros e normalmente o Estado não os possui. Numa visão de relação internacional entre os países mais desenvolvidos com aqueles em menor escala, como é o caso do Brasil, criou-se uma linha de clientelismo onde os mais ricos teriam que re passar para o setor público dos mais pobres verbas que geralmente não são suficientes para que se proceda à conservação dos ativos ambientais.
De acordo com Balduíno, esse modelo tem mostrado sinais de falência uma vez que o descaminho é uma conduta normal. O que o programa Tesouro Verde propõe é promover a preservação do meio ambiente, ao mesmo tempo, desenvolver a economia. Esse programa é centrado na utilização de um direito creditório denominado Crédito Floresta o qual, assim como uma Cédula de Produto Rural (CPR), torna um título apto a entrar no mercado de capitais para ser trabalhado na perspectiva de auferir recursos. Assim, ele tem que ser transformado em recebível ou quase moeda. “Por que quase moeda? Com esse direito creditório, agora chamado Crédito Floresta, ele deverá ser transformado num ativo recebível, monetizado. A partir do momento em que os entes estatais passam a aceitar esse crédito como recebível, personifica o que Goiás está propondo com mais esse novo projeto denominado Tesouro Verde”, enfatiza o gestor fazendário.
Origem do projeto
Essa proposta começou com um trabalho da economista goiana Maria Tereza Umbelino, que idealizou o programa Brasil Mata Viva. O programa é uma metodologia que foi desenvolvida através da rede de empresas parceiras, cuja missão é gerar e desenvolver soluções em sustentabilidade. Na origem, ele já previa a utilização das chamadas florestas nativas como patrimônio dos produtores. Porém, faltava um elo para o mercado de capitais.
Uma vez conhecendo esse trabalho, Moacyr Salomão estudou o projeto, conversou com pessoas e entidades e instituições. Conheceu, juntamente com representantes do Ministério Público (MP), o Núcleo Arinos Mata Viva, em São José do Rio Claro, no Mato Grosso. Com ajuda de Deraldo Gomes Balduíno, foi a campo mostrar a nova ideia respaldada inclusive pelo governador Marconi Perillo, que sugeriu a abertura de mercado não só para Goiás, mas todo o resto do mundo.
Fonte: Secretaria da Fazenda do Estado de Goiás (Sefaz)
Reportagem: Jornalista Luiz Carlos Rodrigues
Assessoria de Imprensa Fundepec-Goiás
Fotos: Luiz Carlos Rodrigues e Emanuell Prado